Chegaram as férias de janeiro e queria viajar para um lugar diferente, onde eu pudesse ver e aprender coisas novas então resolvi ir ao Peru. O país nunca foi meu sonho, mas achei que nesta altura do campeonato, era um bom destino para visitar.
Já vou começando o post recomendando que não façam essa viagem no mês de janeiro. Irão entender o porquê. E se preparem, pois esse é o maior post de todo o blog.
Os preparativos da viagem começaram muito antes dela propriamente dita. Fui atrás de informações sobre o país, busquei um pacote legal, com uma operadora confiável, fui ao posto de saúde tomar vacina contra febre amarela (não é obrigatória, mas é recomendada), e eu li vária vezes sobre as questões diplomáticas para não ter nenhum problema. Para quem não sabe, o Peru é um país da América do Sul, uma república presidencialista democrática como o Brasil, mas é dividida em 25 regiões. A sua geografia é bem variada, mas eles costumam dizer que o país é dividido em costa (Lima e região costeira, que corresponde a 10% do território), selva (a Amazônica) e serra (os Andes). A população peruana é estimada em 28 milhões e só a cidade de Lima possui mais de 8 milhões de pessoas. Grande parte da população tem ascendência indígena. O idioma oficial é o espanhol e eles têm um acento relativamente fácil de entender, mas parte da população fala quechua, língua dos antigos incas.
A viagem começou com os perrengues de sempre. Não fui para São Paulo de ônibus, mas tive que madrugar (4h30), pois meu voo para São Paulo era às 06h00 da manhã. Chegando ao aeroporto de Guarulhos, peguei um voo direto para Lima.
1°. Dia
Chegamos a Lima quase 11 horas da manhã e na entrada já nos deparamos com um grande cartaz dizendo que tínhamos chegado no melhor aeroporto da América Latina. Quando li a placa, me deu vontade de rir. Só pensei que esse povo deveria ir correndo para a Cidade do Panamá ver o que é o maior aeroporto da América Latina, mas tudo bem. Lima é a capital do país e está situada na Costa do Pacífico. Foi fundada por Francisco Pizarro em meados do século XVI e se chama Lima por estar próxima ao Rio Rímac. Pizarro não conseguia pronunciar Rímac e o chamava de Limac e aos poucos se transformou em Lima. A cidade é formada por 43 bairros ou distritos que eles chamam de municipalidades. Cada bairro tem autonomia própria, portanto, é possível ver diferenças muito grandes no destino, mesmo estando na mesma cidade. O clima de Lima é agradável e chove muito pouco, cerca de 60 mm por ano. Já no trajeto do Aeroporto até nosso hotel, foi possível ver o tamanho da cidade. Neste trajeto, passamos pela Costa Verde, que é a costa do Pacífico. A praia em si é muito feia, pois não tem areia, só pedras escuras, mas como o mar tem ondas fortes, é um reduto de surfistas. Após 30 minutos de percurso chegamos ao hotel Habitat no bairro de Miraflores. Miraflores é o bairro turístico de Lima e concentra 70% dos meios de hospedagem da cidade. O lugar é lindo! Cheio de casas estilosas, com diversos estilos arquitetônicos, uma limpeza inacreditável e muito florido. Diferente do que eu imaginava! Ele é cortado pela Avenida Arequipa (talvez a mais longa avenida da cidade) e concentra cassinos, restaurantes e outros pontos de interesse.
Deem uma olhada em uma das lindas casas na Avenida Arequipa, da Prefeitura de Miraflores e da Igreja principal.
Almoçamos em uma “Chifa” (restaurante chinês); a cidade de Lima teve uma grande migração chinesa no final do século XIX e eles fazem parte da cultura local então, seus restaurantes são abundantes e bem populares. Como tínhamos a tarde livre, aproveitamos para conhecer as lojas de departamentos (que eles chamam de Shopping) Ripley e Fallabela; passamos também pelo Parque Central, lojas de artesanato, igreja e prefeitura do bairro e ainda andamos pelas ruas para fazer reconhecimento do lugar. À noite, fui perder uns soles no Cassino! Ahhh! Vale lembrar que 1 Real vale 1,52 Soles e as coisas são relativamente baratas por aqui. Também tenho que contar que, ao contrário do eu imaginei, as pessoas não são tão feias. Não estou dizendo que são lindas, mas está longe de ser assustador!
2°. Dia
Acordamos logo pela manhã para o city tour à cidade de Lima. Dentro do roteiro, nossa primeira parada foi em Huaca Pucllana, grande complexo arqueológico pré-inca. De lá, fomos ao Centro Histórico de Lima, onde passamos pela Praça San Martín, uma linda praça em estilo colonial espanhol e neoclássico que abriga o Gran Hotel Bolívar, um dos hotéis mais tradicionais da cidade. Abaixo coloquei uma foto da Praça.
Nossa segunda parada foi no Museu do Banco Central de Reserva que é um antigo banco convertido em museu. O lugar em si não é espetacular, mas é possível ver vários objetos de ouro, tecidos e cerâmicas das diferentes culturas que se desenvolveram no Peru. Neste passeio, foi possível verificar a quantidade de civilizações pré-incas no país e descobrir que a maior virtude do povo inca foi pegar o melhor de cada uma dessas civilizações, desenvolvê-las e incorporá-las à sua cultura. Após a visita ao Banco fomos a Plaza de Armas ou Plaza Mayor que é, sem dúvida, a praça mais bonita de Lima. O lugar é lindo, e nele é possível ver o Palácio do Governo, a Prefeitura de Lima, a Catedral e o Palácio Arzobispal. Deem uma olhada em algumas fotos da Praça.
Mais tarde fomos caminhando até o Convento de San Francisco, uma igreja do século XVII que tem aguentado firmemente os terremotos da cidade. Durante a visita conhecemos as galerias subterrâneas ou catacumbas, onde foi antigamente o principal cemitério da cidade no período colonial.
Saindo do antigo centro, passamos pelo bairro de San Isidro, municipalidade mais residencial que concentra 70% das embaixadas da cidade e é famoso pelas oliveiras e finalizamos em Miraflores.
Após o almoço, aproveitamos para passear pela Plaza de los Enamoradas na orla do Pacífico, demos uma sapeada no Larco Mar, um agradável shopping a céu aberto com cinema e uma variada praça de alimentação. Ainda tivemos pique para ir ao Grande Parque de Lima, popularmente conhecido como Parque de la Exposicion; foi construído para receber uma Exposição Mundial e conta com espaços de lazer e anfiteatro. Ao lado encontra-se o Museu de Artes que estava em reforma e pouco a frente há o Museu Italiano, Palácio da Justiça e um edifício francês que parece uma réplica colorida da Prefeitura de Paris. Finalizamos o dia no mercado, conhecendo os produtos locais.
Segue abaixo uma foto da Plaza de los Enamorados.
3°. Dia
Fizemos check-out em nosso hotel, fomos ao Aeroporto pegar um voo a Cuzco. Depois de 1h35 minutos já estávamos na famosa cidade peruana. Cusco está situada no sudeste do Vale de Huatanay ou Vale Sagrado dos Incas, na região dos Andes e tem uma população de aproximadamente 400 mil habitantes. A cidade é muito alta, 3.400 metros acima do nível do mar. Minha primeira impressão da cidade foi a pior possível! O aeroporto parecia bastante precário e rodeado por uma favelão. Fomos ao hotel onde experimentamos o chá de coca, bastante popular na região e tivemos o dia livre. Passei parte do dia no hotel, pois a altitude me deu dor de cabeça e indisposição sem tamanho, mas aos pouquinhos fui me acostumando. Tentamos andar pelo centro da cidade, passamos pela Plaza de Armas (a mais importante praça da cidade) e aproveitamos para conhecer o Museu Inca. O dia estava muito chuvoso então não pudemos aproveitar o bastante! A cidade é bem feia. Tirando duas praças e algumas ruas, a sensação é que estamos em uma favela. As poucas coisas bonitas são os edifícios em arquitetura colonial espanhola e há muitas referências aos incas pela cidade. Aqui as pessoas não são bonitas, mas o mais interessante é que você vê muitas mulheres usando aquelas roupas típicas andinas; chapéuzinho, duas tranças no cabelo, saia escura e um bolsa colorida pendurada nas costas onde algumas usam para carregar coisas ou mesmo crianças.
À noite fomos jantar no restaurante Dom Antonio. Lá, é possível encontrar comidas típicas como carne de alpaca (uma espécie de llama – saborosa!) e cuy (é porquinho da índia cozinho como um leitão, não tive coragem de experimentar porque era meio estranho), além de músicas e danças típicas. A comida peruana de uma forma geral é muito boa; bem temperada e possui um quê de fusion! Vale a pena!
4°. Dia
Acordamos cedo e fomos dar uma voltinha na cidade para fazer umas comprinhas. Pela manhã, fazia um lindo dia de sol e pudemos aproveitar finalmente a cidade. No começo da tarde, nosso receptivo foi nos buscar no hotel para fazermos o city tour por Cuzco. Nossa primeira parada foi no Convento de Santo Domingo. O lugar é lindo, em estilo renascentista, interior barroco e o mais interessante é que dentro do espaço fica o templo de Qoricancha. Este templo é mais conhecido como o templo coberto de ouro e foi o santuário mais importante dedicado ao Deus Sol na época do Império Inca. Este espaço foi entregue aos jesuítas por Pizarro e eles cobriram todas as paredes com gesso e transformaram em habitações para os padres. No terremoto de 1950, todas as paredes de gesso foram abaixo e as muralhas incas aparecerem novamente. Hoje faz parte de um sítio arqueológico. Deem uma olhada no Convento, aquela construção ao fundo.
Próxima parada foi a Plaza de Armas e fomos à Catedral. De fachada renascentista, este complexo é formado por três igrejas e dessa forma, é mais resistente aos terremotos. A catedral em si é uma das igrejas mais bonitas que tive a oportunidade de conhecer. Os detalhes dos altares em pandeoro (cobertura de ouro em madeira trabalhada), as pinturas coloniais e o principal altar em prata fazem qualquer um ficar meio bobo! Incrível!!!! Deem uma olhada na fachada da Igreja.
De lá fomos para Sacsayhuaman, um templo inca localizado a dois quilômetros ao norte de Cusco e que possui uma vista panorâmica legal, inclusive da cidade. Passamos também por Tambomachay, um templo dedicado à água. Para se chegar lá, é preciso caminhar um pouco. Não tenho palavras para descrever o lugar, é o ponto mais alto da região então a falta de ar e a dor de cabeça são muito fortes. Um frio desgraçado (também culpa da alta altitude!). Além disso, brota água de todos os pontos, é um troço muito doido! Finalizamos nosso tour no começo da noite e fomos dormir cedo, pois no outro dia iríamos para Machu Picchu.
Ai começa o pesadelo….
5°. Dia
Acordamos às 05h da manhã, pois às 06h o receptivo nos levaria à Estação de Trens de Poroy, cidade próxima a Cuzco para pegarmos o trem a Machu Picchu. A estrada férrea é o único meio de chegar a Águas Calientes, povoado ao lado da cidade inca. Na noite anterior, havia chovido torrencialmente e de manhã parecia que a chuva não ia parar tão cedo! Machu Picchu significa velha montanha em qechua e o local é conhecido como a cidade perdida dos Incas. É uma cidade localizada entre duas montanhas, a 2400 metros de altitude, no vale do rio Urubamba. Foi construída no séc. XV e por muitos anos os pesquisadores acharam que fosse a cidade mais importante da civilização inca. Com a extinção deste império, a cidade foi abandonada e redescoberta em 1911 por um norte-americano chamado Hiram Bingham, que estava procurando o último reduto inca, Vilcabamba. Machu Picchu é considerada Patrimônio Mundial da UNESCO e uma das sete maravilhas do Mundo. Chegando à Estação de Trens, nos avisaram que os por causa da chuva o trem não partiria de Poroy e sim de Ollantaytambo, uma cidade há pouco mais de 60 km de lá. Como não sabíamos nada, pegamos o ônibus da Perurail e fomos até a próxima estação. Chegando lá, vimos que havia uma porção de turistas esperando este trem e esperamos por horas. Fiquei bem preocupada, pois tínhamos apenas 4 horas para aproveitar Machu Pichu e quanto mais tempo o trem atrasasse, menos tempo tínhamos para ficar no atrativo. Três horas depois tomamos o trem e fomos a Águas Calientes. O trajeto foi tranquilo, mas ao lado da ferrovia havia um rio bastante cheio, que quase tocava os trilhos e com uma fúria que eu nunca tinha visto na vida, mas achei lindo e não imaginei que aquilo poderia nos prejudicar. Chegando ao ponto final, a chuva continuava muito forte, mas tomamos outro ônibus em direção à Machu Picchu. Esse é um ônibus pequeno que sobe a montanhas e tenho que admitir que deu um pouco de medo, pois ele andava muito rápido. Quando chegamos ao local, abriu um sol e parecia que estava tudo perfeito de novo. Não há palavras para descrever a beleza de Machu Picchu. É realmente um lugar mágico! Nosso guia explicou sobre as pedras que formam as casas, sobre os famosos terraços, características da arquitetura inca, sobre seu descobrimento em 1911 e sobre a cultura dos habitantes locais.
Terminando a visita, voltamos correndo para Águas Calientes para não perder o trem da 15h20. Quando chegamos à Estação de Trens, estava chovendo muito e vimos uma quantidade enorme de pessoas sentadas esperando do lado de fora. Perguntei ao guarda o que tinha acontecido, ele disse que tinha caído uma barreira na ferrovia e que não havia trens para voltar a Cuzco. Senti um desespero momentâneo e entramos na Estação para confirmar a informação. Era verdade! O pior de tudo é que não tinham previsão de quando voltariam a funcionar. Meios atônitos e sem saber o que fazer, sentamos e esperamos para ver o que acontecia. Às 19h00 saiu um comunicado de que os trens sairiam e que precisávamos nos organizar em filas, de acordo com o horário da nossa passagem de volta. Começou aquela confusão e empurra-empurra.
Depois de uns 40 minutos saiu um novo comunicado de que não haveria trens aquela noite e que eles só sairiam no próximo dia a partir das 05h30 da manhã. Estávamos todos sem saber o que fazer! Alguns turistas procuraram hotel para dormir, outros disseram que os hotéis não tinham mais vagas; alguns montaram acampamento na própria estação e outros ficaram sem norte, como nós. Juntamos-nos com um grupo de brasileiros e pedimos jantar em um restaurante chinês e decidimos dormir nos bancos da própria estação. Foi uma noite horrível! Tínhamos medo de ser assaltados por outros turistas e os homens do grupo até fizeram uma vigília, estava um frio insuportável (cerca de 4º C) e estávamos sem agasalhos muito quentes, além das luzes e da TV da estação ficarem acesas o tempo todo. Alguns turistas resolveram dormir nos vagões dos trens e em alguns carros, já não achava mais vaga e foi assim que passamos nossa primeira noite.
6°. Dia
Acordamos às 05h e ficamos esperando que os funcionários da Perurail chegassem à estação, mas ninguém aparecia. O primeiro comunicado oficial veio em torno de 09h e disseram que os funcionários da companhia haviam passado a noite tentando arrumar o trecho que estava com problemas, mas como a chuva não havia passado, outros trechos da ferrovia estavam interditados. Nessa hora as pessoas começaram a ficar desesperadas e tentaram ligar para suas embaixadas ou consulados para avisar nossa situação. Perto do almoço, comecei a ficar angustiada e quis dar uma volta pelo centro da cidade para ligar para amigos e familiares e quando voltei, a companhia havia avisado que nos tiraria da cidade através de helicópteros e que teríamos que nos dividir por países. Colocaram os brasileiros em vagões de trem (vale lembrar que éramos em torno de 200 turistas brasileiros) e começaram a passar listas. Perdi até as contas de quantas listas assinei! Pouco tempo depois, mandaram que saíssemos da estação de trens e nos levaram a um estádio no meio de um favelão. Acho que esse foi um dos piores momentos que passamos! Estávamos lá, naquele lugar sem estrutura, enlameado, divididos em países, sendo observados como se fôssemos animais pelos moradores da cidade, que se espremiam nas arquibancadas em um sol de rachar, com muita fome e sem saber o que fazer. Senti-me em um campo de concentração, sem brincadeira! Olhem a situação.
O prefeito da cidade chamou os representantes de cada país e disse que naquele dia, apenas 60 pessoas sairiam de helicóptero e que nos próximos dias, cerca de 800 turistas por dia teriam a chance de voltar. Nessa hora começou a me dar um ataque de pânico, pois tive a impressão que todos nós ficaríamos presos lá por uma semana. Estimavam que a cidade possuísse 1800 turistas e outros chegariam da trilha inca. Estava passando mal com aquele calor e resolvemos procurar um lugar para comer. Quando voltamos, a situação continuava a mesma! As pessoas continuavam esperando, nenhum helicóptero havia chegado e aparentemente ninguém tinha saído. Ficamos sabendo que os helicópteros estavam saindo de outro lugar e fomos correndo ver se conseguíamos embarcar. O lugar era um caos! Um empurra-empurra, mães chorando e pedindo pelo amor de Deus para embarcar, guias desesperados tentando embarcar europeus idosos e foi quando bateu o cansaço. Estávamos sem dormir, sem banho, sem comida há mais de um dia. Às 18h os soldados do exército peruano disseram que havia encerrado os voos naquele dia e que teríamos que deixar o local; decidimos então ficar no único hotel disponível da cidade. Era um resort ecológico 5 estrelas (Inkaterra Macchu Picchu Pueblo Hotel) que nem me atrevo a dizer o valor da diária. Naquele momento, estávamos tão desesperados para dormir em uma cama, que eu era capaz de pagar qualquer quantia. O lugar era lindo, mas não sei se valia tanto. No entanto, como disse, naquele momento, não queria pensar em nada. Deem uma olhada na minha cara alegre e jeitinho faceiro no hotel depois de 48 horas sem banho e de ter dormido em um banco frio de estação na noite anterior.
O jantar estava incluso na diária e foi um dos melhores jantares da minha vida. Por 30 minutos, consegui esquecer o que estava acontecendo conosco. Dormimos pouco aquela noite, mas pelo menos confortavelmente.
7°. Dia
Acordamos cedo, tomamos um reforçado café e fiquei grudada por um tempo com um grupo de americanos na esperança de que o guia deles teria alguma informação privilegiada, mas acabei decidindo ir com alguns amigos na estação de trens para ver se conseguíamos embarcar. Quando chegamos à estação, disseram que apenas os maiores de 60 anos, mães com filhos e doentes poderiam entrar. Começou a me dar outro ataque de pânico e fui a Secretaria de Saúde para solicitar alguma autorização para que eu pudesse entrar na estação. Expliquei que tomava remédios de uso contínuo e que estava sem eles há alguns dias, pois tinham ficado no meu hotel em Cuzco e que já estava sentindo sintomas de abstinência como alergias e quedas de pressão. Duas senhoras espanholas que estavam hospedadas comigo me ajudaram a explicar minha situação e a moça da secretaria me deixou entrar na estação onde fui procurar o paramédico de plantão. Na sala do pronto socorro, havia uma moça do Rio de Janeiro que estava com intoxicação alimentar. Expliquei meu problema, os remédios que estava tomando, meus sintomas e disse que precisava embarcar. O médico disse que meus sintomas eram somente de ordem psicológica e que meu problema era desidratação e fome! Acredita?! Queria matar o cara naquela hora! Ele tentou colocar soro na minha veia, mas ele não conseguia encontrar a veia certa e foi me furando sem dó. A dor era tanta que caiu minha pressão e desmaiei na cadeira. Depois de passar a manhã toda com o médico, ele me perguntou se gostaria de embarcar com ele e disse que sim, sem pensar. A fila nesta hora estava quilométrica e era possível perceber que a maioria das pessoas eram moradores da própria cidade que estavam “aproveitando a carona” para ir para a casa de familiares. Tentamos passar pelos guardas para embarcar, mas as mães histéricas não nos deixaram passar dizendo que elas tinham mais direitos e, então, nos colocaram em um vagão até a poeira baixar. O lugar era uma sauna, não tinha condições de ficar por lá. Foi aí que começamos a ver toda a confusão. Saíam muitos helicópteros, mas a fila não andava (disseram que alguns turistas do hotel que eu estava hospedada haviam pagado para pegar o helicóptero primeiro), as pessoas da cidade ficavam nos observando por uma tela e ofendiam alguns dos turistas. Um empurra-empurra, uma gritaria, crianças no sol e de pé por horas, crianças e mães chorando, era tudo de mais! Outro médico veio conversar comigo e disse que tentaria uma autorização para que eu embarcasse no dia seguinte, mas ele não voltou para dizer nada. Conversei depois com o médico responsável pela Secretaria de Saúde e ele me disse que tal autorização não era possível e que eu teria que esperar. No final da tarde as mães invadiram o corredor que dava acesso aos helicópteros passando por cima de todo mundo, até de militares peruanos. Olhem a arminha dos militares.
Cerca das 18 horas, encerraram os helicópteros e resolvemos voltar ao hotel Inkaterra para ver se era possível “comprar” nossa volta para Cuzco. O jantar naquela noite não foi tão bom! Já faltavam algumas coisas e o gerente do hotel comentou que se não houvesse abastecimento na cidade, em 1 dia acabaria toda a comida. Ele disse também que faria de tudo para ajudar a nos embarcar no próximo dia.
8°. Dia
Acordamos bem cedinho, fizemos o check-out e como quem não quer nada, tentamos ir para os helicópteros por uma trilha que tinha no hotel. Em determinado ponto do caminho, encontramos as mães histérica novamente dizendo que nós não podíamos embarcar (éramos umas 6 pessoas, entre brasileiros, europeus e americanos), pois elas tinham mais direito e haviam passado a noite ao relento esperando. O senhor que estava comandando esses embarques gritou com todo mundo e mandou a gente embora. Nessa hora tinha a sensação de que novamente não conseguiria embarcar e que ficaria presa àquele lugar mais alguns dias. Obedecendo as recomendações do gerente do hotel, ficamos no lobby do empreendimento esperando maiores informações. Uns 30 minutos depois passaram o médico da Secretaria de Saúde com um amigo nosso do grupo de brasileiros. Tentei explicar novamente minha situação ao doutor, mas ele disse que tinha outras 10 prioridades no momento e que não poderia me ajudar a embarcar, mas mandou a enfermeira me medicar para as alergias. Conversei com a enfermeira que foi um anjo e me disse que se eu quisesse embarcar, eu teria que dizer aos guardas que eu era epiléptica e ter alguma crise ou mesmo desmaiar na frente de todos para que eles acreditassem que era sério. Ela também me deu seu telefone e disse que se eu não conseguisse embarcar naquele dia, era para eu ligar para seu celular que ela daria um jeito de conseguir me colocar no outro. Novamente tentamos chegar aos helicópteros pela trilha do hotel como quem não quer nada e estava até disposta a passar mal caso surgisse necessidade, mas dessa vez não tinha nenhum guarda e nos infiltramos na fila para embarcar. Neste dia, era possível ver que havia mais helicópteros, mas ainda tinha muitas pessoas para ir embora. Em um momento, veio um oficial da polícia federal americana conversar conosco dizendo que nós já tínhamos conseguido o mais difícil que era estar na fila e que em questão de horas embarcaríamos para Cuzco. Nessa hora, um alívio veio em minha mente, mas ainda estava apreensiva, pois tinha medo de que na hora H, os militares não me deixassem embarcar por não fazer parte do grupo de prioridades. Conversei com o oficial por algum tempo e ele me disse que 4 policiais americanos estavam no Peru para cuidar pessoalmente dos turistas americanos. Eles cederam ao governo peruano 6 helicópteros para auxiliar no resgate dos turistas e moradores das regiões alagadas e, em contra partida, eles poderiam cuidar de perto do seu povo. Ele também disse que o trabalho deles era não só recolher todos os americanos de lá como todos os turistas e que os americanos voltariam aos Estados Unidos em um avião da Força Aérea no Sábado. Nessa hora, fiquei com vergonha de ser brasileira, pois ninguém do governo brasileiro tinha feito nada por nós naquela situação. Nesse momento, passa um grupo de turistas japoneses por nós. Ficamos sabendo mais tarde que o governo japonês havia fretado um helicóptero para levar seu cidadãos para Cuzco. Aí que a vergonha de ser brasileira ficou ainda maior!!! Abaixo segue um dos helicópteros disponibilizados para levar os turistas. Eles traziam mantimentos e levavam turistas.
Depois de algumas horas de espera, pegamos nosso voo. Era um helicóptero das forças aéreas peruana bem grande, de 24 lugares. A viagem foi rápida, fiquei de pé todo o voo por falta de espaço, mas emoção de estar saindo daquele inferno é indescritível. É um mistura de alívio e felicidade! Ahhh! Gostaria de deixar bem claro que o gerente e subgerente do hotel que estávamos hospedados ficaram conosco até o momento do embarque. Um profissionalismo sem tamanho!!! Chegando em Ollantaytambo, os voluntários nos deram bolachas e água. Estávamos há horas sem comer, mas a adrenalina era tão grande que não tinha fome. Dei várias entrevistas para jornais e uma delas até foi parar no BandNews. A empresa Perurail colocou os turistas em um ônibus e nos levou à estação de trens da cidade. De lá, pegamos outro ônibus a Cuzco. O caminho não podia ser mais lindo! Acho que era Deus dizendo que estávamos salvos! A vista dos Andes cobertos por gelo no fundo das outras montanhas, dos pastos verdinhos e das casas tradicionais parecia um filme! Quando chegamos a Cuzco, parecia até que a cidade estava mais bonita. Fomos ao hotel, ligamos para nossa operadora e seguindo uma recomendação da empresa, fomos a Lan pessoalmente para remarcar nossa volta pra Lima. Nossa volta foi remarcada para o outro dia pela manhã e aproveitamos nosso finalzinho de tarde para finalmente descansar e nos despedir da cidade. Nessa despedida, passamos pelo Hotel Monastério. Essa foi uma das maiores surpresas da viagem! Um antigo monastério do séc. XVI transformado em pousada de luxo e administrado pelo grupo Orient Express, o mesmo que administra o Hotel Copacabana no Rio e o Hotel das Cataratas em Foz do Iguaçu. Eles têm uma capela tão linda que você fica meio boba! Na verdade, todo o hotel é fantástico! Um dos mais bonitos que já vi na minha vida, se não for o mais bonito. Jantamos no restaurante Fusiones, um restaurante que eu tinha ido há dias atrás e tinha amado, especializado em comida fusion. Nesta noite finalmente dormimos mais tranquilos.
9º Dia
Saímos de Cuzco para Lima às 10h15 da manhã e fizemos uma viagem tranquila. Chegando à capital peruana, fui correndo ao guichê da Tam para tentar um voo para São Paulo. Sabia que não era possível pegar no mesmo dia pela diferença de horários, mas queria garantir o avião do dia seguinte. Naquele momento, nem peguei minhas malas na esteira. O atendente da companhia havia me dito que os voos da Tam não tinham disponibilidade até o dia 02 de fevereiro (fora de cogitação!) e que teríamos que ficar na lista de espera para tentar embarcar no próximo dia. Parecia que o pesadelo não tinha fim! Ainda perguntei se não teria vagas na primeira classe ou em outra companhia, mas o que ele me disse que não havia lugar disponível no avião, nem em outras empresas. Nossa agência reservou um quarto no hotel Ramada, localizado ao lado do aeroporto e tivemos que passar mais um dia no Peru. Como não tínhamos o que fazer, fomos conhecer outros pontos da cidade que não havíamos ido como o Parque Olivar no bairro de San Isidro e o Parque de la Reserva, Circuito Magico del Agua. Segue fotos das oliveiras em San Isidro e do Show das Águas.
Também aproveitamos para fazer umas comprinhas na loja de departamento Ripley e no shopping Larcomar e voltamos ao hotel. Nossa volta foi cômica! Pegamos um taxi desses caindo aos pedaços e ele começou a fazer um caminho estranho, passando por uns becos escuros, sem gente e levando muito tempo para chegar ao aeroporto. Achei que ia ser assaltada naquele momento e no desespero, até coloquei um cartão de crédito dentro da calça, pensando que, se fossemos assaltados, seria bom ter um cartão guardado para não ficarmos sem nada. Mas só foi um susto!
10º Dia
Acordamos cedo e fomos às 09h para o guichê da Tam esperar a confirmação se poderíamos embarcar. Éramos 12 brasileiros, cansados e desesperados para voltar para casa. Quando fecharam o check-in, descobriram que só havia uma vaga disponível no voo e eu era a primeira da lista de espera (Graças a Deus!). Tive uns vinte minutos para fazer meu check-in, pagar a taxa de embarque, passar pelos detectores de metais e pela imigração. Foi uma correria, mas deu certo! Fiquei um pouco chateada por deixar os outros em Lima, inclusive meus pais. Cheguei a São Paulo às 19h40 e finalmente terminou minha aventura. A sensação de alívio e a vontade de sair do aeroporto eram tão grandes que nem quis olhar as coisas do Duty free, acreditam?! Os demais brasileiros daquele grupo passaram mais um dia em Lima e conseguiram embarcar no outro voo. Soube que os últimos brasileiros só saíram de Machu Picchu no dia 30, um dia depois da minha chegada ao Brasil. Eles fizeram o trajeto de Lima a São Paulo em um avião da FAB. A menina que esteve comigo no Pronto Socorro ficou até o último dia e chegou a dar entrevista no Jornal da Rede Globo contando o descaso do governo peruano com os turistas. Machu Picchu está temporariamente fechada aos turistas pela falta de estrutura. Espero que esse triste incidente faça as autoridades do país repensarem na estrutura turística do principal destino do Peru. Espero também que eu não passe mais por nenhum apuro como esse na minha vida! Acho que minha sanidade mental e meu coraçãozinho não iam aguentar.
Só para terminar o post, resolvi colocar uma foto da fúria do rio para terem uma ideia de como foi punk toda a situação. Isso porque essa foto foi tirada no último dia e o rio já estava mais baixo.